30 de agosto de 2016

Depois de todos embarcados e com as bagagens e bicicletas devidamente acomodadas, a tripulação levanta a âncora, liga os motores e inicia a prometida viagem em direção a Cartagena.

Puerto Lindo afasta-se progressivamente e adentramo-nos no mar que invade a baía.
A viagem começa.

Para quase todos os que viajamos no barco esta é a nossa primeira viagem de veleiro. Somos verdadeiros marinheiros de primeira viagem.



Acomodamo-nos na parte da frente do barco e confidenciamos os nossos receios relativos a enjoos, partilhando as diferentes estratégias para os minimizar.

Vamos avançando empurrados pelos motores e galgando as ondas que se vão formando pelo caminho. Temos a ilusão de que estamos a conquistar aquele mar, sabe-nos bem sentir o vento na cara e os últimos raios de sol a iluminar o cenário numa beleza crescente.

De vez em quando, subimos numa onda mais alta e descemo-la logo em seguida, com uma ligeira vertigem. Não é uma agitação pacífica. É antes uma espécie de embalo cavalgante capaz de desafiar qualquer estômago…

Passam poucas horas até que o primeiro viajante se levanta e, inevitavelmente, se debruça borda fora.

- “Carga ao mar!” – Lembro-me desta expressão tão usada pelo meu pai, durante a minha infância, nas longas viagens de férias, quando eu e a minha mãe passávamos por algum episódio de enjoo que chegava a vias de facto.

Não é uma imagem bonita (eu sei) mas, no veleiro, foram vários os que lançaram a sua “carga ao mar” logo no primeiro dia.

Eu, estava feliz por sentir que os comprimidos que tinha tomado, religiosamente, estavam a funcionar mantendo-me capaz até de jantar a bordo.

A âncora voltou a ser lançada já de noite e perto de uma das ilhas onde vivem os Kuna, a comunidade indígena que reside em San Blas. Dormimos no barco, num suave balanço e amanhecemos rodeados de ilhas com coqueiros e de um mar que convidava a banhos.






Em San Blas não entram as leis panamenses. O arquipélago é gerido pelo conselho de administração Kuna e é dali que saem as regras que vigoram no seu território.

Visitámos uma das suas aldeias e fomos acolhidos como se fizéssemos parte da rotina diária. Os locais não interromperam as suas atividades nem o seu descanso com a nossa chegada.

Algumas mulheres mostraram-nos o artesanato típico e eu deixei-me encantar pelas coloridas e elaboradas pulseiras de missangas que também elas usam como adorno nos braços e nas pernas.

Cedo à tentação e negoceio para comprar uma na qual se desenham borboletas. Adoro o desenho, as cores e gosto ainda mais da forma como me é colocada no braço. Passo-a-passo, o longo fio de missangas é entrelaçado em redor do meu pulso. Fila por fila.



Sinto este gesto como se fosse um ritual. Uma passagem de testemunho entre mulheres que partilham sorrisos e uma conversa brincalhona, envolvidas numa energia cúmplice e feminina.

Intriga-me porque terá o cabelo curto, a mulher que me coloca a pulseira… Todas as mulheres de povos indígenas que vi até agora luziam cabelos escuros e longos.

Disseram-me que as mulheres Kuna cortam os cabelos quando ficam viúvas, sendo também esse um sinal de que não estão disponíveis para voltar a casar.

Podia este gesto tirar-lhes alguma da sua beleza indígena mas, na minha opinião, mantêm-se mulheres belas e exóticas, capazes ainda de seduzir e ser seduzidas. Amar e serem Amadas.

Resta-me pensar que esta é uma escolha de cada uma delas e não uma imposição social. Mas fico com dúvidas… muitas.

Volto a olhar para a pulseira que trouxe, agora já no meu braço, e registo nela as memórias que me irá contar quando eu já não estiver ali, nas ilhas, naquele lugar perdido num recanto do oceano.
Voltamos ao barco. Prosseguimos viagem.

Vamos ancorando em diferentes ilhas.





Mergulhos. Passeios. Fotografias. E… um agradável dolce fare niente. São os ingredientes para dois dos dias que passamos em viagem. Trazemos os pés descalços desde que entrámos no barco e não voltaremos a calçá-los até que cheguemos a Cartagena. Gosto da sensação que me dá trazê-los assim.



À medida que passamos pelas ilhas e conhecemos várias famílias locais, ponho-me a pensar como é a vida de quem vive neste lugar. Observo as cabanas, espreito indiscreta pelas portas e vejo muita simplicidade. Olho para os estendais de roupa. São longos, cheios e coloridos. Vejo os homens que saem para pescar nas suas canoas rudes e toscas. Fico deliciada com um menino que se lança para o baloiço que ele mesmo fez, ficando pendurado, a balançar por debaixo do tronco do coqueiro que o sustenta.



Imagino em cada pessoa uma história. Tenho algum jeito para lhes inventar vidas que desconheço!
O que será que já viveram? Que opiniões terão sobre as coisas? Como me descreveriam a sua vida por aqui?

Não sei do que falam quando usam o seu dialeto. Também não sei o que dizem os olhos do homem que fuma, deitado na rede que o balança, nem o que me transmite a mulher que me apresenta sem pressa, nem imposição o seu artesanato.






Outra cultura. Outro mundo com o qual contacto mas do qual pouco mais do que isto ficarei a saber. Memorizo os rostos de traços pouco finos e de pele cor de café. Rostos que por vezes mostram sorrisos ou olhares desviados, numa possível timidez.

Honro as diferenças que nos separam e, ao mesmo tempo, a humanidade que nos une.

Despeço-me de San Blas e preparo-me para mais 35 horas de navegação.

A tripulação diz-nos que o mar está anormalmente calmo, sem ondas, nem correntes. Levaremos, assim, mais tempo para chegar a Cartagena.

Dormimos, descansamos, comemos, desfrutamos de uma vida calma e de uma paisagem que apenas nos oferece mar. Mar aberto.

No último dia de viagem, somos presenteados com a chegada de um grupo de golfinhos que nada a alta velocidade junto ao veleiro. Nadam, saltam, parecem querer brincar connosco e desafiar-nos a mergulhar na sua energia amigável e doce. Todos sorrimos, agarramos as máquinas fotográficas e deleitamo-nos com a magia desta surpresa! Que viagem tão completa… penso.



Aproximamo-nos do destino, da Colômbia. Um país mais na nossa rota.

Já podemos ver terra quando somos ainda apanhados no meio de uma feia tempestade. Raios e trovões exibem a sua força mesmo por cima das nossas cabeças e um raio acaba por atingir o mastro mais alto do barco. Sem nenhuma consequência, felizmente.

Todos nos acomodamos o mais que conseguimos debaixo do toldo que nos protege da chuva e confiamos no marinheiro que vai espreitando para ver se está tudo bem com a nossa rota à medida que avançamos.

Posso dizer que nos calhou experimentar um pouquinho de tudo nesta travessia. Sol, chuva, ondas e mar calmo, refúgios paradisíacos, golfinhos brincalhões, corais enormes de mil cores, refeições que incluíam comida acabada de pescar e um sem número de momentos de deslumbre.



Entramos finalmente na baía de Cartagena. Ancoramos uma última vez.

Saltamos para os barcos insufláveis e somos levados até às instalações do clube náutico.

Colocamos os pés em terra firme e experimentámos o comum desalinho que se sente depois de tantas horas a balançar no mar. Um efeito parecido com aquele que uns copos bebidos a mais nos podem provocar mas agora sem álcool no sangue! Algo muito estranho para quem nunca passou por esta experiência antes.

Bem-vindos a Cartagena das Índias. Bem-vindos à Colômbia!   

Que bonita forma de chegar a um país. Entrando já ao final do dia por esta baía que nos abraça, rodeando-nos de edifícios e muralhas iluminados.




Chegámos. E é agora tempo de desfrutar da alegria e hospitalidade do povo costeño, de conhecer um pouco mais este lado do mar das Caraíbas que promete não desiludir.

Obrigada, Colômbia, por nos receberes. Prometemos ser turistas curiosos e divulgar ao mundo os teus encantos!




Informações e Links:

Site através do qual reservámos a viagem de barco:
http://www.mamallena.com/

Valor pago pela viagem:
550$ por pessoa + 50$ por cada bicicleta

Contacto direto da tripulação do barco em que viajámos e respetiva página de facebook:
Email: sailingboatnacar2@gmail.com
Facebook: Sailingboatnacar Gypsy

Notas:
A viagem fica a um preço mais económico se for tudo tratado com a tripulação do barco.

Para evitar apanhar o mar muito agitado, desaconselhamos as travessias durante os meses de dezembro e janeiro. Disseram-nos que as ondas, em mar aberto, podem chegar a ser de 4 metros.





1 comentários:

  1. Nova paragem, nova corrida... ou melhor, novo post venha o próximo. ;) :)
    Continuação de boa viagem.
    Tudo de bom.

    ResponderEliminar