31 de agosto de 2015

O primeiro mês de viagem passou por nós e quase não demos por ele.
De Edmonton a Roosville pedalámos mais de 1100 quilómetros, recheados de emoções. Teriam chegado para atravessar Portugal de norte a sul.



A alegria, o cansaço, a vontade de continuar e (às vezes) o não querer avançar mais, fizeram parte destes dias. Mas, de tudo, sobressaiu a capacidade para agradecer cada momento e experiência.



Poder conhecer o mundo, aos pedaços pequeninos e com tempo para apreciar cada lugar é um presente sem preço. E é por essa verdade que nos movemos…
Estamos a viajar literalmente com a “casa às costas” e com um orçamento que pede uma gestão meticulosa. Estas duas condições despertam-nos ainda mais para a importância de cada pessoa com quem nos cruzamos no caminho. Já foram muitas as que, de forma generosa e desinteressada, nos ajudaram, acolheram ou quiseram saber um pouco de nós e da nossa história, retribuindo com admiração e incentivo. Dependemos de todas elas (e de cada uma) para conseguir uma viagem mais completa, confortável e especial.





Sentimos que a viagem de bicicleta também se faz com estas pessoas e que são elas que quase sempre dão significados aconchegantes aos lugares onde chegamos e nos fazem esquecer o esforço dos dias mais compridos e desgastantes.
Viajar de bicicleta permite conhecer de perto mais gente e é a forma perfeita para admirar vagarosamente cada metro de estrada, cada pormenor da paisagem, cada cor do céu e cada voo de pássaro.



A viajar desta maneira não se salta de um lugar para o outro. Vê-se tudo. Passam-se horas em caminhos tranquilos e desertos e outro tanto tempo em estradas cheias de trânsito e barulho.
Viajar de bicicleta é um estar sempre em contacto com o mundo. Ter o sol, a chuva, o frio e o calor a esfregarem-se na cara. Ter as cores e as formas a entrarem pelos olhos, sem filtro. É viajar de forma inteira, sem interrupções. É estar exposto, sem carapaça, àquilo que vier. É não poder fechar a janela se der vontade de chorar no meio da estrada. É mesmo assim. É viver tudo isto, entregues à experiência e cheios de vontade.



Os dias vão-se somando e contar sobre o que nos aconteceu é mais do que voltar a vivê-lo. É um relembrar e intensificar da magia de cada lugar e do tanto que nos acrescentou.
Quando começámos a pedalar em Edmonton não sabíamos como nos íamos sentir. Dali a duas semanas, mergulhados no ventre das montanhas rochosas, no coração dos parques naturais de Jasper e Banff, fomos surpreendidos todos os dias pela natureza que tão bem desenha o mundo.



No fim dessa estrada, custou-nos deixar o lado selvagem dos parques e voltar às estradas urbanas. Maldissemos cada camião que nos ultrapassou no trajeto de Lake Louise para Golden.
Ao seguir para sul decidimos fazer um trajeto diferente do que tínhamos planeado inicialmente. Ao invés de irmos para Vancouver e depois descer pela costa este dos Estados Unidos, preferimos continuar na mesma direção e atravessar este país pelo interior. Assim fugimos mais depressa do frio que chega em breve ao hemisfério norte e podemos voltar a entrar nas paisagens estonteantes dos parques naturais. Agora, nas que imperam nos Estados Unidos.
Entrámos pelo estado de Montana e temos passado por cidades pequenas – Eureka, Whitefish, Columbia Falls e Bigfork. Temos visto pradarias, ranchos e zonas rurais onde as galinhas e os coelhos andam à solta nos quintais e quase se passeiam na rua. Temos visto chapéus de cowboy em muitas cabeças e bandeiras nacionais exibidas patrioticamente em bastantes casas.



No continuar do pedal, vamos ver o que mais aí vem. O que será que confirma e o que, por outro lado, desmente o estereótipo americano que fomos levados a construir.
Tal como o escritor expressa nestas palavras, também nós acreditamos que “Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos e simplesmente ir ver.” (Amyr Klink, Mar sem fim).

Também nós queremos conhecer o mundo assim, de verdade, em discurso direto, para crescer em conhecimento e humildade, em cada lugar e com cada pessoa. E deixar que o coração se alimente do melhor que há no mundo e cresça, à medida que cada país passa por nós.

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